quinta-feira, 29 de novembro de 2012

MATÉRIA DO OBSERVATÓRIO FALA DA NOVA CATEGORIA JORNALISMO DE MARCAS

Jornalismo de marcas, a nova estratégia de relações públicas

Por Carlos Castilho em 27/11/2012- do Observatório da Imprensa - ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº 722

Mais um adjetivo está sendo pendurado na palavra jornalismo e desta vez com uma conotação que já causa muita polêmica. É que na cúpula mundial dos marqueteiros, reunida em Miami, no final de outubro, um dos temas principais da agenda de debates foi "Estão os Relações Públicas aptos para se transformarem em jornalistas de marcas?"
Da forma como a pergunta foi colocada, ela trouxe implícita a ideia de que já existe um jornalismo de marcas (brand journalism, em inglês) e o que seria debatido no evento era se os relações públicas estão prontos ou não para assumir uma nova identidade profissional.
É mais ou menos como se os relações públicas da  Microsoft se apresentasse  como “repórter da Microsoft”,  assumindo a mesma identidade profissional de um  jornalista da Folha de S.Paulo, por exemplo.
Obviamente a questão provocou arrepios nos jornalistas profissionais porque recolocou em questão uma velha polêmica sobre as fronteiras entre o marketing e a notícia. Mas o problema vai muito além de uma discussão corporativista sobre quem é dono de qual área de atividade profissional.
Quando os profissionais do marketing e relações públicas defendem o jornalismo de marcas eles estão refletindo uma nova postura das empresas, agora preocupadas em desenvolver uma imagem social para contrabalançar os efeitos  negativos da  preocupação exclusiva com o lucro corporativo.  Esta é um tendência generalizada entre as grandes e médias corporações, principalmente as que já têm um pé fincado no comércio eletrônico.
Segundo este novo enfoque empresarial, as mensagens publicitárias deixam de dar prioridade à valorização do produto ou serviço para enfatizar sua relevância para o consumidor. Uma mudança sutil, mas importante porque a preocupação com a propaganda perde espaços para a prestação de serviços ao consumidor como forma de ganhar sua confiança e fidelidade. E é na prestação de serviços que a fronteira entre o jornalismo profissional, como é visto hoje, e a novidade chamada jornalismo de marcas começa a ficar nebulosa.
Nessas condições é essencial repensar o jornalismo dentro da realidade digital porque as mudanças provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs)  estão embaralhando o campo da comunicação, onde também estão os relações públicas e os marqueteiros. A distinção convencional era a de que estes serviam a interesses do setor empresarial enquanto os repórteres, editores e comentaristas serviam aos interesses do leitor.
Hoje já não dá mais para ser tão enfático na afirmação de que os jornalistas defendem os interesses do leitor, porque já é muito difícil dizer quais são os interesses de quem compra jornal dada a enorme diversidade de necessidades e desejos. Também já não é mais possível dizer que os jornalistas defendem os interesses do público, porque a agenda da imprensa está condicionada pelos interesses das empresas jornalísticas, o que não é segredo para ninguém.
Portanto, se temos que buscar uma nova identidade para os jornalistas profissionais, esta terá de ser procurada noutra área que não seja a prestação de serviços ou defesa dos interesses do leitor. Elementos como isenção, objetividade e confiabilidade deixaram de ser exclusivos da imprensa na medida em que as empresas, em geral, passaram a produzir material informativo com essas características para ganhar a confiança dos seus consumidores. Está cada dia mais difícil distinguir uma peça de jornalismo de marcas produzida pelos relações públicas de uma empresa, do material editado por redatores da seção econômica de um jornal diário.
A diferença entre o jornalismo profissional e o de marcas está cada vez menos no produto final e mais no tratamento da informação e da notícia. O jornalista, seja ele funcionário de uma empresa jornalística, um free lancer ou até mesmo um praticante (não profissional), começa a tomar consciência de que  a notícia está deixando de ser uma commodity — porque perde gradualmente todo o seu valor comercial por conta do excesso de oferta informativa gerado pela internet —  para se tornar um dos fatores de produção de conhecimento.
Trata-se de uma mudança de perspectiva ainda pouco discutida no meio jornalístico, mas já bastante explorada entre os praticantes da atividade na internet. O jornalismo como fator de produção de conhecimento passa a se preocupar com os insumos noticiosos oferecidos ao público por meio de jornais e revistas (impressos ou online), blogs, páginas noticiosas independentes, redes sociais e comunidades de informação.
São esses insumos que alimentam as discussões em comunidades sociais onde o conhecimento individual e coletivo é transformado em capital social, o indicador do grau de desenvolvimento econômico, social, político e cultural de um coletivo de indivíduos.
Não se trata de proclamar quem é o melhor nisso ou naquilo, ou entrincheirar-se na defesa de interesses setoriais, mas de deixar claras as diferenças e os contextos. O público precisa de informações sobre produtos para poder fazer escolhas de consumo. Vai procurar informações isentas para não ser enganado e as empresas são as maiores interessadas em abandonar a propaganda enganosa para fidelizar clientes —  a coisa mais importante para a sobrevivência de uma corporação, num ambiente de competição mundial cada vez mais acirrada.
Mas o público também necessita vitalmente de informações para administrar a sua vida em comunidade, uma coisa que não é fácil, como prova a vida num condomínio. Não é a Ford e nem a Petrobras que vão produzir este tipo de notícia. É aí que fica evidente a diferença entre o jornalismo de marcas e o jornalismo de interesse público, voltado para a produção de conhecimento. Há toda uma gama de informações e notícias de interesse das comunidades que não podem e nem serão atendidas pelos relações públicas.
Não é o jornalismo de marcas que oferecerá informações confiáveis, objetivas e isentas para que as pessoas e comunidades façam suas opções em processos eleitorais, por exemplo.